22 de Abril – a gênese de um povo

Por: Sílvia Kerr

Carnaval, Micaretas, Viradas Culturais! Um caldo cultural ferve por todo o país.

De todos os cantos do mundo a curiosidade dos turistas vem conferir o colorido e a alegria dessas festas únicas que só o Brasil pode oferecer, resultado de influências caboclas, européias, africanas e asiáticas que formam um tecido cultural só encontrado nessa característica colcha de retalhos que se formou ao logo de séculos.

Em breve teremos o mártir de nossa independência comemorado por todo o território nacional; depois, 7 de setembro, 15 de novembro, vão marcando nossa folhinha e, principalmente, o aprendizado pátrio de nossas crianças que começam nas escolas a receber noções de país, patriotismo e orgulho nacional.

No entanto, somos todos como filhos enjeitados, recolhidos na roda dos aflitos, comemorando símbolos e heróis nacionais como se fôramos adotados, sem direito à memória primeira, sem gênese, sem uma dia só nosso para comemorar o início de tudo!

Nós, enquanto país, somos talvez os únicos a ter um documento raro e precioso, o registro da histórica Certidão de Nascimento com exatos dia, local e hora do descobimento do Brasil; o prontuário detalhado do trabalho de parto desta enorme “Pátria mãe gentil”.

Mesmo assim, com toda a profusão de informações documentadas pelo então jornalista da coroa portuguesa, integrante da esquadra de Cabral, nosso país, salvo as aulas de História do Brasil, parcamente ministradas nos primeiros anos escolares, praticamente ignora o significado do famoso 22 de abril.

Sem entrar no mérito dos inúmeros feriados nacionais, estaduais e municipais, no Brasil se comemora “de quase um tudo”. Na própria véspera do Dia do Descobrimento, existem duas grandes comemorações, sempre com prolixas alusões da própria imprensa da qual Pero Vaz foi o precursor; o Dia de Tiradentes e a inauguração de Brasília, ocorrida em 1960 (e me perdoe a memória do grande visionário e empreendedor, Presidente Jucelino Kubitschek, bem poderia ter sido inaugurada no dia seguinte, confirmando mais uma vez um início de uma nova era nacional).

No entanto, o Dia do Descobrimento passa desapercebido; nem na Bahia ele merece um mero feriado estadual. Apenas em Porto Seguro, com a dignidade e recursos que lhe são possíveis, o povo lembra, comemora e se orgulha da data em que tudo começou. E aí, não vem ao caso se a forma como ocorreu a colonização por Portugal foi ou não nociva ao nosso desenvolvimento, se houve anteriores incursões a estas plagas, ou quem também possa ter bordejado com olhos cúpidos estas praias tupiniquins; o que importa mesmo em termos de nascimento de uma nova nação, é quem realmente aportou, desvendou e documentou as características “genéticas” dessas terras até então oficialmente desconhecidas pelo mundo, dando a nós todos, brasileiros, a oportunidade de construirmos, dia a dia, e sempre, o país que tivermos a capacidade e o merecimento de ter.

Tendo morado em Porto Seguro por mais de uma década, nunca me conformei com o generalizado pouco caso nacional com esta data tão significativa. Porém, a singela alegria das festividades locais acabavam sempre por amortecer minha indignação. Hoje, morando novamente em meu estado de orígem, vou ficando a cada 22 de abril mais e mais revoltada com este enorme silêncio nacional.

Qual o país que pode se orgulhar, como nós, de possuir tão rica e segura informação dos seus primórdios?

Que país pode nominar seus parteiros e até, quiçá ao gosto de alguns, elaborar seu próprio mapa astral com todas as características necessárias?

Sabemos que fomos arrancados de um ventre nativo por mãos portuguesas, com nome e sobrenome, sabemos o apelido que recebemos na pia batismal, e a houve, e os caminhos percorridos até chegarmos ao nosso então nome definitivo – Brasil.

Sabemos até as intensões e procedências daqueles que nos trouxeram à luz e nos tutoraram os primeuros passos e, se existiu algo nesses preceptores que possa nos ter desagradado, quem pode, em sã consciência, afirmar categoricamente que o desencontro de gerações é algo que não ocorre também com os seres humanos? Quantos homens e mulheres, destacados ou não, carregam consigo histórias que gostariam que tivessem sido diferentes, infâncias difíceis, pais excessivos na severidade ou na indulgência? Nem por isso negam a existência de seu nascimento, seu nome e procedência.

Se continuarmos ignorando nosso nascimento, além de cometermos um grande descaso com a nossa história, estaremos confirmando que ainda somos aquela criança revoltada, já meio crescida mas ainda temerosa de seus fantasmas de infância, culpando a outros por suas falhas, e incapaz de assumir a maturidade e se orgulhar dos rumos que conseguiu dar à própria vida.

Até quando seremos os enjeitados, deixando passar em silêncio a data em que tudo começou?

Até quando permitiremos que esta omissão vá apagando da memória de nossos descendentes a importância destes registros já meio esquecidos em empoeirados livros de História?

Precisamos resgatar nossas origens.

Precisamos reconhecer nossos caminhos.

Precisamos ter orgulho de nossas conquistas e superações.

Precisamos aprender a comemorar com justa alegria o 22 de Abril; o Dia do Nosso Aniversário!

 

 

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